quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tão meu

Ela olhou pra minha garrafa e riu. Olhou e riu pra vodka que escorria pela minha boca meio aberta. Vem me tomar eu disse com os olhos. E veio. Veio trôpega, veio risos, veio rosa. A escuridão da praia derramava uma penumbra sobre aquele corpo tão igual ao meu. Ofereci a garrafa. Bebeu. Olhou pra mim. Bebeu mais.  Me estendeu a garrafa de volta. Disse que não era aquilo que desejava beber. Sacie-se eu disse. E veio. Veio volúvel, veio voraz, veio pulsos. E me tomou com seu gosto quente. Me virou de uma só vez e desci por sua garganta como fogo. Beba-me eu disse. E cresceu. Beba-me ela disse. E cresci. E fomos. Fomos gigantes, fomos sedentas, fomos em chamas. Tudo em volta era minúsculo e nós duas, como um enorme animal, enroscadas na areia, na areia dourada de nossos desertos, deserto que encobríamos naqueles corpos tão iguais. E seu cabelo caía sobre mim. Em cima. E eu fitava ela. Em baixo. Ela estava em todos os lados, dentro. Ela era eu e eu era ela e eu era nada. Eu era só um deserto de novo. Imersa em meus vazios. Cheia de solidões. Vem nadar em mim. Gritei pro alto, gritei pra frente. Mas só o nada ouviu. E veio. Veio absoluto, veio opressor, veio frio. Congelou minhas chamas. E abracei minha dor. Única companhia nessas indecisões. Nessas transformações inquietantes, nesses cilindros de revolução, nessas quelóides escuras. Não procuro um amor, mas uma distração. Algo para esquecer essas feridas. Algo mais leve, mais brando, sem prés, sem prós, sem contras. Sem amarras. E veio. Veio solitário, veio encantador, veio mistérios. E esqueci meus requisitos e o enlacei e apertei as amarras. Sem querer era amor. Sem querer quis mais que tudo o querer para sempre. Sem querer uni minha solidão a dele e descobri que podia ser inteira também, que podia fazer desses pontos retas infinitas, traçar uma ponte ligando o nada ao tudo, não ligando nada a nada, talvez eu a ele. Talvez só esses nossos pontos doídos, essas nossas rotas destroçadas. Mas enquanto nada se ajeita vou assim me ajeitando nele. E quem sabe um dia passe, um dia acabe e o sonho fique. E quem sabe nada passe e o dia nunca acabe e o sonho nunca termine de se construir. Quem sabe ele não vem e me faz parar de pensar e começar a viver essas pontes e pontos. E veio. Veio amores, veio abraços, veio meu.

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