quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Nada

Entre melindres e meandros, enlouqueço. E estremeço em recantos enquanto nossos tempos convergem, se confundem. Me arrependo de ter me arrependido. Chove. Choro. Suspiro. Me viro. Não piro. I’m not gonna crack. E apesar de tudo ele ainda estava lá. Mesmo que não devesse. Que devesse abandonar. Ele ainda estava lá. E isso me apertava mais que tudo. Me assola então uma vontade, um impulso, sôfrego desespero, uivo, de querer estar lá também. Estar aí. Num acaso sucumbir às tuas cores. Vou me fundir. Tem um rio na minha boca. Ele corre para ti. Meu corpo desperta, aperta, tenho a consciência de cada milímetro dele. Ofegante. Não é mais uma máxima de amor, nem de dor. É porra nenhuma. Sou só eu. Sem berço, sem chão. E é tanto amor que me confundo. E, confesso, me acabrunho um pouquinho. Essas miudezas. Detalhes. E levanta meu queixo com a ponto dos dedos. Firmes. Suaves. Gelados. E assim me ergo e me inundo em você. De você. Me afogo, perco o foco. Sufoco. Estrangulo o silêncio. Não solto. Me aperta. Faz-me sentir pequena. Leve-me para. Lugar nenhum. Rios sem cursos. Discurso. Corro nesse percurso. Você. E brinca com meus cachos, me toma em seus braços e assim rio com sons que não são meus. Mas não acredite, descubra a minha farsa, me desnude. Não se afaste para que eu não veja minha culpa. Não me abandone nesse circuito sombrio somente com meu sangue frio e átrios vazios. Mas não me psicanalise. Não me entenda. Só ame. Só cuide. Cuide de minhas feridas abertas enquanto eu vinha para ti. E vim. Vim sem dor. Sem cheiro. Sem cor. Vim meio bamba, meio de lado. Vim correndo e me atirei em braços vazios.  Vim com meus gritos propagados no silêncio. Entoando sinfonias mudas. Foi quando olhei pela janela e vi que não era dia. Nem noite. Era Nada. Foi então que percebi que não havia ninguém. E não havia amor, nem dor. Mentira. Não estava claro nem escuro naquele dia sem dia. E assim me distanciei. Não olhe pra trás. Não olhe pra dentro. Não me espie. Mas esqueça tudo e me desarme. Só venha se molhar nessa minha chuva. Deixe-se ficar assim, todo encharcado de mim.

Para ti

...nessas minhas valas de cera comida me perco, me encontro, bato em esquinas corroídas, em triângulos imperfeitos, guerra, rôo minhas unhas de pitanga madura, cuspo os restos no chão, meus restos, seu chão, reconstrua-me, escrevo por cima de outros rostos, outros restos, pedaços derretidos, um novo inteiro, nessas pedras que formam meu percurso, que me deformam, e sigo assim, sem curso, fujo, peão vadio nesse tabuleiro perdido, num outro tempo, sem tempo, meu, nosso tempo, andarilho em terras não minhas, mas que tomo, e batizo, em nome do norte, do sul, do leste e do oeste, talho novas lembranças, novo passado, em notas dissonantes, acordes novos em tua escala, e te escalo, com meu batalhão de ponte, ataque relâmpago, cortando toda dor com machado frio, cantando meus desprazeres como flor, cachorro bandido perambulando por ruas iguais, poeta prisioneiro de seus próprios versos, sempre em busca, por entre atalhos e desvios,  quando todo o tempo ainda é pouco, quando cada passo parece o último, quando todas as fantasias se convertem em memórias e bato em portas coloridas a procura de tuas tintas, a procura de uma vertente, de um afluente, escorrego por pedras lisas, habito tua ilha, quebro teus muros antigos, desvendo teus símbolos, te tomo como fruta vermelha, te colho, te devoro, e te arrasto nesses labirintos, te perco nesse terreno íngreme, em mim, te moldo com meu barro molhado, te transpasso com todo o meu amor, te reviro, te destilo nesses alambiques vazios, te afogo em minhas rodas d’água,  te salpico com minhas estrelas órfãs, te desejo no inverso dos dias, e espero, e caço, caço uma corrente que me arraste até seu leito, esperando brotar em tua nascente, esperando te encontrar nessas ruelas onde me confundo, e me ato, nesses atos tão despidos de sentido,  nesses atos onde nos despimos sem precisar de nenhum sentido, onde entrelaçamo-nos liquefeitos até uma foz em comum, até meus pés cansados darem nalguma trilha que me permita te alcançar, até meus calos seguirem trilhos de ferrugem em busca de tua fumaça, até minha voz cantar a tua, até o azul se tornar negro, o negro, amarelo, e o amarelo desaguar novamente nessas tuas piscinas azuis, onde mais uma vez mergulho, e afundo, e insurjo, e de novo imirjo, tomada assim por tuas luzes, procurando não achar, seguindo algum fluxo que me leve para qualquer lugar, para lugar nenhum, para o meu lugar, para ti...

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tão meu

Ela olhou pra minha garrafa e riu. Olhou e riu pra vodka que escorria pela minha boca meio aberta. Vem me tomar eu disse com os olhos. E veio. Veio trôpega, veio risos, veio rosa. A escuridão da praia derramava uma penumbra sobre aquele corpo tão igual ao meu. Ofereci a garrafa. Bebeu. Olhou pra mim. Bebeu mais.  Me estendeu a garrafa de volta. Disse que não era aquilo que desejava beber. Sacie-se eu disse. E veio. Veio volúvel, veio voraz, veio pulsos. E me tomou com seu gosto quente. Me virou de uma só vez e desci por sua garganta como fogo. Beba-me eu disse. E cresceu. Beba-me ela disse. E cresci. E fomos. Fomos gigantes, fomos sedentas, fomos em chamas. Tudo em volta era minúsculo e nós duas, como um enorme animal, enroscadas na areia, na areia dourada de nossos desertos, deserto que encobríamos naqueles corpos tão iguais. E seu cabelo caía sobre mim. Em cima. E eu fitava ela. Em baixo. Ela estava em todos os lados, dentro. Ela era eu e eu era ela e eu era nada. Eu era só um deserto de novo. Imersa em meus vazios. Cheia de solidões. Vem nadar em mim. Gritei pro alto, gritei pra frente. Mas só o nada ouviu. E veio. Veio absoluto, veio opressor, veio frio. Congelou minhas chamas. E abracei minha dor. Única companhia nessas indecisões. Nessas transformações inquietantes, nesses cilindros de revolução, nessas quelóides escuras. Não procuro um amor, mas uma distração. Algo para esquecer essas feridas. Algo mais leve, mais brando, sem prés, sem prós, sem contras. Sem amarras. E veio. Veio solitário, veio encantador, veio mistérios. E esqueci meus requisitos e o enlacei e apertei as amarras. Sem querer era amor. Sem querer quis mais que tudo o querer para sempre. Sem querer uni minha solidão a dele e descobri que podia ser inteira também, que podia fazer desses pontos retas infinitas, traçar uma ponte ligando o nada ao tudo, não ligando nada a nada, talvez eu a ele. Talvez só esses nossos pontos doídos, essas nossas rotas destroçadas. Mas enquanto nada se ajeita vou assim me ajeitando nele. E quem sabe um dia passe, um dia acabe e o sonho fique. E quem sabe nada passe e o dia nunca acabe e o sonho nunca termine de se construir. Quem sabe ele não vem e me faz parar de pensar e começar a viver essas pontes e pontos. E veio. Veio amores, veio abraços, veio meu.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Lumos maxima

...e brilhamos, sem saída, sem entrada, perdidos, partidos, fora de tudo, dentro de nosso próprio mundo, dentro de mim, dentro de nós, não saia, não me solte, devore o que é seu, deixe-me mergulhar nessas suas piscinas azuis, deságua em mim, desemboque em meu açude, me transborde, me tome, não há mais ninguém, anacrônicos, isso só existe em nós, para nós, nosso encanto, nosso segredo, sinta o barulho de nossos corpos soltos no tempo, no atemporal, ouça o vento nessa pele que agora é nossa, uma só, um só, só nós dois, teime comigo quando eu fugir, me aperte mais se eu quiser soltar, me mostre algo novo, embrenhe-se por minhas trilhas, deixe-se levar por minhas armadilhas, caia na minha corrente e então te arrasto, te atraio com meus passos, te levo, te amo, te devoro com meus sorrisos que saltam dos olhos, te tomo direto no gargalo, deixa o sol levar a gente, vem comigo por esse mar de versos mortos, por esses poemas despedaçados, venha ver como eu te imprimi em tinta só para impregnar-me mais de ti, olha que Apolo já vai lá longe, olha que o azul está rubro, olha que vejo as cores nesse teu rosto queimado, olha o quadro que vai se formando, as nuvens como efêmeros riscos como que postos ali por acaso, o laranja-rosado que vai deixando espaço para o breu, olha o resto de luz que nos acende, olha que nesse escuro não consigo olhar você e então somos novamente formas e sombras, tateando cegos por um rio de sentidos, sem sentido, montando as lufadas desse ar traiçoeiro, atirando com facas em tudo o que não tenha nós, enlouquecendo nessa pista onde o inverso é tão belo, e te miro com meus olhos redondos, te espio de cima, de baixo, de dentro, te espio e pio em teus ouvidos coisas inintendíveis, grunhidos para a noite, para o deserto, e confundo teu corpo com o meu e perco meu corpo no seu e caço tuas mãos e as enlaço com as minhas, nosso segredo, nosso sagrado, nosso templo, nossa magia, beirando o surreal, como um sonho flutuante, esperando a hora de acordar, esperando não ter que acordar, sem esperar nada, sem esperanças, içamos as ancoras, a deriva, meu bem, naufragados nessa ilha sem amor, sozinhos nessa ilha, só com nosso amor, chicoteando o desejo na areia branca, encardindo nossos pés nesse barro sujo, esculpindo-nos como uma coisa só, te derramo numa xícara como líquido bem quente, te sorvo bem devagar, submerjo nas tuas águas bem lentamente, e toda a dor some, tudo o mais se encaixa quando eu me encaixo em você, todo o resto se ajeita quando você se ajeita em mim, tudo some quando sumimos um no outro, nada mais importa quando só o que importa são nossos dedos impacientes percorrendo cada curva desse emaranhando em que nos transformamos, emanando por cada poro nossas solidões, unindo-as, formando um inteiro, nosso complexo, nossas brumas, nossos pratos que esvaziamos famintos, e me pergunto se tudo aconteceu realmente, me pergunto se tudo seria da mesma forma se fosse repetido, me pergunto quantas vezes mais eu o amaria, me pergunto quando o para sempre vai começar, quando tudo vai descolorir, quando vamos decair e ficar depositados no fundo do copo, resquícios do que fôramos, do que somos, do que seremos, eternamente sobre essa abóboda felpuda que nos cobre, eternamente sobre esse cobertor azul clarinho onde rolamos como um só, eternamente nesse tempo que não é tempo, mas já é sem tempo de irmos em busca de um outro tempo, onde já não se conte mais o tempo, onde só haja tempo pra gente se amar, onde só haja você e eu, onde possamos inventar nossos sonhos, colorir nossos olhos com as tintas um do outro, esquecer de tudo, lembrar de tudo, olhar cada detalhe sem se preocupar, sem espaços entre nós para se preencher, sem nada para nos pressionar, apenas nós, apenas nossos cantos, nossos acordes, nossos risos, nossos passos, apenas nós e o vento e o céu e o mar, apenas nós nesse recanto, nesse encanto, sem pensar, sem nada que nos faça franzir a testa, apenas rugas nos cantos dos olhos, apenas bochechas coradas e conchas grudadas no suor, apenas tua nascente abrindo caminho por minha terra, fluindo em mim, me inundando, tornando-me inteiramente seu curso, seu mundo, seu tudo, seu, sua, meu, nosso, com nada, sem tudo, só você mergulhado em meu posso, só você estendido em mim nessas margens, marcando a areia molhada com nossa forma, nos salgando para depois nos beber, só você e eu, enquanto o caminho dourado cai em nós, enquanto tudo cai em volta de nós, enquanto o sorriso do gato se abre para nós, e o pasto surge, e tudo o mais some, e o mar fica reluzente e nos banha com sua ponte de luz, mostrando a mim tua pele translúcida, minha pele de ouro, e enquanto todo o resto se apaga, nós brilhamos...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Limiar

Gosto de pensar que sou para sempre o último dia de inverno. Meu contentamento começa no solstício. Frio que favorece orgias. Adoro meus deuses gelados, desperto minha fé fria e crua retalhando essa minhalma efêmera.  Assim caminho entre meus restos escuros, com meus impulsos e exageros, pautada por dramas. Sempre rumo ao equinócio, sempre no limiar, mas nunca além. Meus dedos roxos apertam xícaras quentes contra minha alma fria, agora são dedos quentes que passeiam por mim, pequena flor fraca e nua esquecida no gelo. Estremeço com esse intruso em minha solidão, não se preocupe com minhas feridas abertas a mostra nesse corpo despido de máscaras e falsas alegrias, deixo no chão meus rosto e restos e danço e me enrosco, me revirando nessas chamas brancas. Para sempre o último dia de inverno, para sempre dançando esse balé frenético de corpos em um só calor. Um só. Mas a verdade é que me acostumei ao vazio e encher essas minhas talhas já tão ressecadas dói demais, percebo-me então partida, meus destroços geometricamente espalhados no teto, me espreitando. E novamente vem o intruso, desaguando em mim mais do que queria beber, despertando em mim uma sede que beira, não, ultrapassa o desespero, assim me parto mais uma vez rumo a tua voz, te sorvo e te quebro só para fazê-lo caber todinho em mim. E imploro para que me sorva e me quebre só para fazer-me caber todinha em ti. Somos só espectros, só lendas perdidas em ruínas de pó, lendas  talhadas em borra, lendas sussurradas no escuro enquanto o frio ferve e já não temos nada, só a palpável voracidade com a qual nos tomamos, competindo com os ponteiros, fugindo de tudo, só nós dois. Desconsiderando tudo o que há em mim, dou de cabeça nessas construções sem esquinas, nesses becos sem saída, afugento-me nessa crisálida apertada, mas fugindo das vespas não vejo o botão que se abriu. Metamorfoseio-me então, retraio todos os meus pedaços até formar um só, até não sobrar nenhum, mórula inversa. Pelo medo do excesso peco pela falta. As cores começam a apontar no jardim, mas estou presa aqui, na véspera, nunca adiante, nunca transpasso, não sigo em frente, fantasma. Aprisionei-me em meus laços, em meus nós, em nós. Rastejo então sozinha e cega bato em tua carapaça, te rompo. E longe das armaduras somos só corpos moles e sensíveis em cada seguimento. Ainda falta-me uma parte. Não metades, não laranjas, mas sim uma peça desse confuso jogo que me forma. Ignorando meus medos convido-o a entrar nessa roda, em minha roda. Beba-me. Sofra essa última taça bem devagar. Sacie-se em mim. Invada meu inverno e espero comigo, espere que um dia chega, espera que plantei aquela coisa verde, como se chama? Espera que ela floresce, espera que a gente floresce também. Enquanto isso me inteire nesses leitos secos, nessas margens pobres, nesses versos sem rumo. Enquanto isso se some a mim, não temos sentido nem direção, mas se perca em mim, vetor sem nexo. Vem pra dentro (de mim) que o fim do inverno começou.