domingo, 1 de setembro de 2013

Bailarina de Caixinha

De tudo o que é leve nada vale aos seus pés. Fitas trançam suas finuras e apontam para o céu. O mar lhe adorna a face, infinitas ondas nascentes. O branco de porcelana vibra sob os focos. Cetim na madeira. Prende o sol na cabeça, com redes e grampos. Graciosa ave que traz doçura ao coração de quem não sabe voar. Flutua mesmo parada, com braços de penas, ou serão asas? As mãos se curvam em giros fantásticos, luminosas maçãs se pintam em seu rosto de rainha. Da fina areia liquefeita seus vestidos são bordados, das lonjuras do mar trazem seus adornos, sereia pilantra dos desejos de ouro. Saltam-lhe os dentes, as luzes, os sonhos. Tudo o que é belo se espelha, de fato, na bailarina. De toda a graça, de tudo o que passa, apenas suas formas permanecem, no tênue infinito do instante que antecede os saltos. De todas as sombras, nada anuvia seus contornos, posto que a luz não se mistura no breu. Corre mel de seus cachos em contraste com leite da pele fina, tudo nela é oferta de beleza e suavidade. Seus melindres enlaçam, enfeitiçam e encantam. Seus risos suspensos na ponta dos pés. Solitária ela dança, no compasso de diástoles e sístoles que suspirantes acompanham suas mãos. Ofegantes ficam os olhos tentando prende-la no ar. Que bela pintura viva, essa criatura de além mar. Mas penso que a vida nas pontas pode ser sofrida. Solitária ela gira, acima de todos os corações. Condenada a ser bela, a ser perfeita, a ser leveza, condenada, a bailarina, dança a triste variação. Mas um dia, porém, quando o azul luzia solto e a caixa estava aberta, ela cortou as cordas e desfez-se da canção metálica de tilintar. Quando o poente queimava o céu e os pássaros cantavam seu retorno, ela dançou, mas por seus próprios impulsos. Embalada pela efervescência das marolas, pelo chilrear dos que voam, pelos sussurros dos amantes, pela voz dos sonhos. Mas dançou também pela miséria, pela ausência, pela saudade, pelas doenças. Livre, conheceu as dores, as nuvens, os negrores, o fim. Livre, foi falha e assim, perfeita. A bailarina fora da caixa, viveu ao perecer.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Trocaram as luzes da rua


Por Alice Samute
  Trocaram as luzes da rua. Não percebi. Já passava das cinco. Meio de setembro. Olhei pela janela. Céu decaindo pro cinza. Olhei pela outra. Dourado pôr do sol. Dourada alegria incidiu em mim. Me veio a cabeça bancos em ruas de pedra, pilhas de folhas secas, árvores peladas esticando seus braços para louvar ao Rei. Mas não havia nem sol nem pôr. Somente as novas luzes da rua que refletiam na vitrine de salgados do bar da esquina. Mas sentada no sofá desbotado, coberto por aquele horrível lençol furado, eu podia jurar que havia um sol lindo sorrindo só pra mim.
  Trocaram as luzes da rua. Já passava das nove e esticando os pés podia ver por cima do muro do quintal, a rua dourada de sol que não era sol, mas sim as novas luzes da rua. Novamente sorri porque havia na minha rua um sol só pra mim. Senti que teria para sempre uma rua de outono só minha. Senti que ficaria ali parada olhando meu sol sem sol se pôr e entrar por meus caixilhos fechados. Senti que poderia viver daquele sol sem sol porque nascia então um novo sol dentro de mim.
  Trocaram as luzes da rua e entre um afazer e outro, corria para ver as casas douradas pelo falso sol. Trocaram as luzes da rua, trocaram meu sorriso, trocaram as minhas luzes também. Enquanto houvesse aquela rua amarela, haveria uma chama em mim. Eu era então uma vela acesa solta no vento. Rezando para permanecer. Rezando para minha tenuidade ser eterna. Rezando para aquele sol sem sol não se pôr sem mim. 
  Pelas frestas e falhas da porta velha eu via o laranja me chamar. Havia até uma folha seca entrando para me convidar para uma dança no sol. Me convidando para ser também uma nova luz colorindo a calçada desforme. Tive certeza de que poderia atravessar a porta sem abri-la. Assim como poderia haver lá fora um sol sem sol. Corri sem que meus pés tocassem o chão. Corri e te gritei. Te implorei para que me deixasse trocar também as luzes de tua rua. Para que deixasse meus castanhos encherem tua vida com minha chama. 
  Olhei pela selva do meu quintal e vi o sol se pôr no breu. Vi o sol sem raio, sem calor, sem vida, clareando as fachadas dos prédios, clareando os pensamentos soturnos que invadem as camas, clareando os amores, as dores, clareando a chuva que agora escorre de mim.
  Me deixei vagar pela rua dourada. Meus pés ainda estavam parados em frente à porta com as frestas iluminadas. Me deixei parada ali e vaguei pelas luzes, pelas marcas de cuspe no asfalto que poderiam ser estrelas opacas surgindo no fim da tarde. Vaguei enquanto chovia, vaguei enquanto dentro de mim escurecia. E não importava mais se haviam trocado as luzes da rua, se haviam trocado as luzes do mundo. Não importava mais porque em mim havia um bocal queimado, bocal enferrujado. Em mim havia uma boca seca, uma vida azeda, uma veia preta. Não importava mais porque enquanto trocavam as luzes da rua, as minhas iam se extinguindo. Eu sabia que logo chegaria a hora. Sabia que logo iria apagar. Meu corpo parado à porta não passava de cera comida.
  Me bateu um desespero quando te vi no escuro recortado pela luz do meu pseudo sol. Corri ao teu encontro, mas meus pés não saíram do chão. Gritei em teus ouvidos, mas minha voz sucumbira junto a minha chama, agora tênue sopro que escorria dos gentis lábios de cera. Meus braços me pareceram pesados demais para abri-los e te abraçar. Mas você entendeu mesmo assim. Você abandonou a rua eternamente iluminada e veio pro meu breu. Você trocou o calor do sol aprisionado em bolotas de vidro e veio me ter no negro. Você abandonou a falsa luz e se abandonou em mim. Você sabia que eu, só eu, poderia te dar essa luz que tanto ansiou, que tanto buscou mesmo sem saber. Quando te vi solitário, talvez naquele momento, talvez meses atrás, eu soube que mesmo não sabendo de nada, eu sabia que deverias ser meu. Sucumbi então em teus azuis pulsantes, penetrei teus poros, me fundi à tua pele.
  Por alguns segundos, séculos ou piscares de olhos, houve no breu uma luz mais forte que as novas luzes da rua. Houve um sol sem sol que saía de mim ou quem sabe de ti, que tecia os nós, que nos fazia nós.
  Trocaram as luzes da rua, mas quem ligava para isso agora. Agora que eu sabia que sempre encontraria minha luz em ti, que sempre haveria para ti luz em mim. Que enquanto estivéssemos a sós sempre haveriam nossos sóis. 

Tudo azul


Tudo azul. Sorri antes de desligar. Meu. Eu disse. Meu. Chove o azul. Mas já chovia aqui dentro. Já chovia em seus azuis. A saudade é azul. Chora o céu. É tanto amor que arde. Incendeia. E venham as águas para aquietar, venham as águas para tomarem seu lugar, venham as águas e que tragam para mim os seus azuis. Nada passa nesses dias sem glória. Minhas tempestades são claras e demoradas. Lentas e dramáticas, assim como eu. Mas você gosta. Gosta de se molhar, de se espremer nesses espaços tão apertados entre meus becos não azuis. Poderia eu fugir do azul? Tento. Mas está ele em cima, em volta, no meio, dentro. Tudo é azul e já não enxergo nada mais, apenas teus malditos azuis. Ateio fogo nessas lembranças, aqueço meu coração, aquieto. Fujo e permaneço. Meus passos se enterram, já não tenho mais saída. Qualquer que seja o rumo que eu tome estão lá os teus azuis, eterno aviso de que não há escape. Cego-me então. Já não me permito ver o céu e seus nuances de azul. Já me são proibidas as ondas e tudo o mais que for azul. Mas ele me encontra, persegue. E vejo espalhados na parede esses azuis, vejo desejo, vejo anseio, vejo tudo o que não queria ver. Não é fácil negar o azul. Maldita cor. Tão linda. Tão linda. Porque mexes tanto com meu coração, querido azul? Não vês que busco novos tons, outros matizes? Não vês que nessas vésperas o céu já vai rosado e que essas nuvens tão ralas já não se tingem de azul? Em resposta clareira azul abre no céu. Não creio. Eu digo. Loucura. Proclamo. Porque não posso ficar, é morte. Porque não posso partir, é vida. Porque a chuva é muito lenta e não leva nada embora, só trás. Já vejo o que não há. Em cada lento momento desses dias sem fim, eu me deparo com um novo azul a me apontar as coisas que fiz, as coisas que quis e o que já não posso mais. Recolho-me na escuridão, que no fundo é apenas azul marinho, triste fera solitária dos fundos. Já não existo mais, mas ele não me deixa ir. Mergulho. Quanto mais fundo, mais azul. Bonito é quando clareia, ah quando o azul clareia. Aquele azul pós tempestade, aquele que forma vincos em volta quando sorri, aquele azul que fica tão azul ao sol. Já não chove, consigo ver o azul por cima dessa camada de nuvens tão macias, mesmo que ninguém mais o veja. É azul o fogo que me corta, me gela. São azuis os deuses que me castigam. Azul é o meu amor e também toda, toda, essa dor. Então eu lembro. Lembro e ponho para fora um sorriso todo azul. Um sorriso todo meu. Todo seu. E já não me importo que meu corpo se tinja de azul quando encontra o teu. Já não me cego, vejo como é bonita essa vida azul. Como são bonitas as minhas dores. Tomo cafés azuis, respiro azul e gosto. Gosto sim. Tudo azul. Bestas de grandes dentes azuis me devoram. Permito. De meus cortes saem azuis, vomito azul, escrevo azul. Meu Deus, quanto azul. Me espanto, de onde veio tanto azul? Aprisiono então todo o azul do mundo, enjaulo essa cor tão atroz, engulo todo esse azul profundo e já não me espanto. Descobri-me azul também.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Último dia do ano


Essa é a ultima hora do ultimo dia do ano. Nos fins e começos fico propensa à grandes nostalgias. Inicio então uma oração, para todos os que esperam as luzes no céu, para todos que não esperam nada, para todos. Peço, e nessa hora me invade lembranças de tudo o que amo, muita luz, muita paz, muitos além, que nesse ano não haja barreiras entre os sonhos, que não haja limites, que haja amor sem fim. Agora não aguento e choro. Talvez por tudo o que não fiz, por tudo o que fiz, pelo que quero fazer. Me sinto tão boba aqui, sozinha, no ultimo dia do ano. Mas então vão me recorrendo todos esses outros 364 dias em que estive com meus amores, com meus prazeres. Não é o ultimo dia do ano que define tudo. Fui feliz, fui perversa, fui vadia, fui linda, fui burra, tive tantas caras e farsas que nesse dia, o ultimo do ano, só peço para conseguir me achar. Esse é o risco de ser tantas coisas. Esse é o risco de vestir tantas caras, de sorrir risos alheios. Não sei desapegar desses meus monstros, meus pequenos, cativos, dramas. E rompem meus olhos essas lagrimas que saem limpas. Minhas lagrimas. Quão doces elas me parecem. Choro minhas dores, minhas alegrias. Choro porque amo a dor, porque preciso sofrer para me sentir viva. E retorno para minha prece, rogo pelos vadios, pelos que parecem lixo nas calçadas, sem donos, sem modos, humanos crus, resto de vida. Rogo pelos corações despedaçados, pelos olhos sem brilho, pelos escravos dos vícios, pelos desalentados. Nesse dia, o ultimo do ano, choro dores que não são minhas, mas que tomo pra mim, e espero assim, que em algum lugar do mundo, alguém ria um riso que, no começo, talvez não lhe pertença, mas que depois se transforme em algo louco, um riso escancarado, talvez até sem dentes, mas que rasgue o peito e rompa nos olhos, um riso que sacuda a alma, que faça esquecer, que faça lembrar. Desejo, mais que tudo, que o amor possa reinar, que as famílias possam reviver, que os amigos possam se abraçar. E mais uma vez choro, não há como falar em amigos, ainda mais no ultimo dia do ano, sem chorar. Me bate, nesses inícios e fins, uma vontade louca de proclamar o amor, de fazer uma grande loucura, de viver, mais que tudo, de viver. Assim termina minha oração. Nesses últimos 30 minutos do ultimo dia do ano. Que todos possam viver. Que em cada peito, aberto, gelado, ferido, vazio, magoado, possa queimar muitos fogos, destruindo todo o lixo, tornando tudo limpo e que deixe espaço para todo amor que virá nesse novo ano.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Azul

Fogo, como canto em noite fria.
Dança, na areia em triste dia.
Saia florida, no jardim.
Primavera tardia, dentro de mim.

Rio sem curso, minha sina.
Arco sem cor em cada esquina.
Fruta madura, rolo de linha.
Azul de onda, tinta minha.

Primavera de fogo, canto florido.
Dança fria, num dia perdido.
Arco azul, rio da dor.
Curso maduro, linha sem cor.

Onda em flor, na luz do dia.
Saia de linha, na areia vazia.
Fruta azul, cor no jardim.
Triste da dor, fim da noite em mim.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Insana

Havia uma confusão onde águas passadas teimavam em voltar abrindo espaço pelo fluxo que em frente seguia. Vejo essa turbulência e a areia em meus pés, vejo nuvens carregadas chegando e o tronco caído sob as pedras, mas quando escrevo as vivências vão deixando de ser meras memórias. São histórias. Histórias de onde andei, do povo que vi. Histórias de um tempo antes de tudo, do meu tempo. A alma é essa tinta poderosa, sem mata borrão. Talvez um dia eu entenda o que significam essas coisas que por impulso escrevo. Mas sei que não preciso, é só meu jeito de deixar-me fluir, continua, dinâmica, única forma de externar esse mundo que é tão meu. Olho além de tudo, enxergo histórias. São as histórias que movem o mundo, histórias sem nome, contos inexpressivos.  As histórias esculpem vidas, vidas tubulosas onde há sempre águas que teimam em não passar e dentro de todas as histórias têm a que mais vale a pena contar. A de amor. Embora a dor traga inspiração. E é preciso se afastar para escrever enquanto outros vivem. Essa é a dor e alegria de ser poeta. Sinto, logo escrevo. Escrevo, logo sinto. E sou ponte, sou abismo, sou essas águas barrentas que desejam te levar, águas sem fim, sou cíclica, e confundo minhas lembranças com minhas invenções. Embora tudo a gente invente. Embora quando escrevemos estejamos vivendo tudo, todas as sensações. Com esse coração esferográfico posso tudo, sou tudo e nessas linhas posso viver, posso existir. Se tudo incluir razão. Sinto a vida tão forte, latente, em ocasiões efêmeras, em cafés quentes que fumegam o peito, em abraços sem pressa, em águas geladas. E tenho meus pessimismos e minhas faltas de crenças, tenho minhas iras e meus medos, sofro, escrevo. Aprendi a ser dessa forma, as palavras me mantêm viva e quente, as palavras me mantêm distante e fria, as palavras me mantêm, ébria, insana, desarvorada. Sou palavras erradas, fujo da semântica, sou neologismos, sou despontuada. E tudo o que vejo que sinto que vivo, refaço em palavras. Minha forma de enxergar o mundo. Estive a escutar murmúrios entre as pedras, estive a seguir letras pelas trilhas, estive a misturar-me com o calor desse chão, estive. E sem freios vou-me embora. Pego carona em dedos calejados e fundo-me a essas histórias, louca por dar vida aos versos.  E quando vomito essas trovas percebo que estou viva, mesmo contra a minha vontade e meus olhos redondos são máquinas ligadas aos meus dedos, transvejo. Na morte nos colocam e capa de madeira, livro fechado. Escolhi essa semi vida de quem vive de fora, de quem inventa a vida. Sou inteira assim. Cama, arsenal de histórias, de memórias, de saudades. E rogo para que chova, chova e torne minhas águas caudalosas, chova e faça nossos rios se encontrarem, formando um único volume. Saio da roda para vê-la girar. Semeio a vida com letras atiradas, colho versos maduros de uma história verde, saboreio a cica em minha boca. Se faço certo ou não isso também é uma parte, de mim. Se vai dar certo ou não eu me quero como parte, de ti. Enjôo com palavras polidas, palavras sem vida. Não finja nada. Venha com sues risos e horrores, venha que juntos alinhamos nossos trechos. Não um novo parágrafo nem sequer um aposto nada para nos separar nada de vírgulas. Tu és a ideia de continuidade das minhas reticências, és meus períodos despontuados e infindos, és meu.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Nada

Entre melindres e meandros, enlouqueço. E estremeço em recantos enquanto nossos tempos convergem, se confundem. Me arrependo de ter me arrependido. Chove. Choro. Suspiro. Me viro. Não piro. I’m not gonna crack. E apesar de tudo ele ainda estava lá. Mesmo que não devesse. Que devesse abandonar. Ele ainda estava lá. E isso me apertava mais que tudo. Me assola então uma vontade, um impulso, sôfrego desespero, uivo, de querer estar lá também. Estar aí. Num acaso sucumbir às tuas cores. Vou me fundir. Tem um rio na minha boca. Ele corre para ti. Meu corpo desperta, aperta, tenho a consciência de cada milímetro dele. Ofegante. Não é mais uma máxima de amor, nem de dor. É porra nenhuma. Sou só eu. Sem berço, sem chão. E é tanto amor que me confundo. E, confesso, me acabrunho um pouquinho. Essas miudezas. Detalhes. E levanta meu queixo com a ponto dos dedos. Firmes. Suaves. Gelados. E assim me ergo e me inundo em você. De você. Me afogo, perco o foco. Sufoco. Estrangulo o silêncio. Não solto. Me aperta. Faz-me sentir pequena. Leve-me para. Lugar nenhum. Rios sem cursos. Discurso. Corro nesse percurso. Você. E brinca com meus cachos, me toma em seus braços e assim rio com sons que não são meus. Mas não acredite, descubra a minha farsa, me desnude. Não se afaste para que eu não veja minha culpa. Não me abandone nesse circuito sombrio somente com meu sangue frio e átrios vazios. Mas não me psicanalise. Não me entenda. Só ame. Só cuide. Cuide de minhas feridas abertas enquanto eu vinha para ti. E vim. Vim sem dor. Sem cheiro. Sem cor. Vim meio bamba, meio de lado. Vim correndo e me atirei em braços vazios.  Vim com meus gritos propagados no silêncio. Entoando sinfonias mudas. Foi quando olhei pela janela e vi que não era dia. Nem noite. Era Nada. Foi então que percebi que não havia ninguém. E não havia amor, nem dor. Mentira. Não estava claro nem escuro naquele dia sem dia. E assim me distanciei. Não olhe pra trás. Não olhe pra dentro. Não me espie. Mas esqueça tudo e me desarme. Só venha se molhar nessa minha chuva. Deixe-se ficar assim, todo encharcado de mim.