E o via comer e isso me deleitava mais que meu próprio prato, mera cacofagia perto de seus traços e gestos. Mastigar lento, calmo, pousou a mão na minha, a levantou outra vez, pegou o copo, afagou minhas maçãs agora com dedos frios. Volte a comer, eu disse. Ele sorriu daquele jeito que faz meus átrios quase explodirem. Diástole. Passou a mão de leve nos cabelos, a língua no canto da boca, naquele instante esqueci de comer respirar viver e o tempo parou e eu o contemplei como se gravar seus riscos e contornos fosse essencial, no sôfrego desespero de quem vê o ponteiro se movendo, sempre rápido demais, E meu prazer era ver como seus olhos, tão azuis, se moviam de encontro aos meus, como às vezes tamborilava na mesa, ria de alguma piada esquecida. O gelo do meu copo derreteu, mas eu ainda só olhava inebriada. E desejei que ele acabasse logo. De repente faminta. O tempo continuava parado enquanto eu o via se movimentar, se levantar, me abraçar como se o mundo fosse acabar, tomar meu queixo e sussurrar baixinho. Estou com mais fome ainda. Eu também, meus olhos gritaram em silêncio. Talvez tenham se passado décadas desde que emergi naquela piscina azul. Mas agora os observo de cima. Eu era a dona dos braços brancos apoiados acima dele. E novamente eram só sombras e esboços. Pintaríamos um quadro. E devaneava enquanto desenhava seu rosto, seus braços, seu peito, seu. E não havia mais nada, não éramos mais nada, éramos tudo, éramos fogo, éramos cinza, éramos um só. E parei em suas expressões, nos músculos tensionados, nos arquejos e arfares, no calor. Parei enquanto tudo girava e nos agarrávamos apertado até que gritássemos sufocado e nos abraçamos ouvindo búfalos em nosso peito, sentindo nossos corpos esguios e escorregadios, um só. E assim ficamos e talvez tenhamos adormecido vivido morrido dessa forma. Dentro. Mas os ponteiros não pararam comigo e tudo foi rápido demais, fica tarde cedo demais. Mas ele me olhou daquele jeito que me inunda e me encontra e me vê por baixo das capas e me disse calma, amor, calma que o sol sempre nasce de novo, sempre brilha de novo, sempre recomeça. Amanhecemos.
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